Sherlock Holmes da Veia

 


Não raras vezes, os nossos pacientes menos habituados às nossas práticas, ficam muito intrigados quando nos veem a analisar o tom de pele, em busca de sinais/achados clínicos, alteração de cor da pele, nódulos, edema, alterações térmicas e a existência de telangiectasias ( pequenas veias, com aspeto semelhante a pequenas teias de aranha, os nossos vasos luo - fu luo)

Apesar de concordar com os colegas de profissão que acham que há procedimentos ou técnicas, que nós usamos com frequência demasiado intrincadas para explicar ao utente o seu mecanismo. Gosto, sempre que possível, entregar uma explicação válida para a minha intervenção, não só para desmistificar o místico-mágico associado à MTC (abomino essa visão redutora , às vezes , em tom de brincadeira, quando alguém questiona "porque vai pôr essa agulha, nesse sítio?" eu inicio: É porque Júpiter está alinhado com Saturno... rimos muito e depois avanço com a explicação que de facto quero entregar). 

Aliás todo este artigo surge decorrente de um episódio ocorrido em contexto de aula. Ao leccionar um módulo de auriculoterapia, já tínhamos falado da embriologia, neurofisiologia do pavilhão auricular. Antes de iniciarmos a prática da flebotomia (retirada de algumas gotas de sangue - a vulgar sangria, esta não é de beber, exceção feita, obviamente, aos vampiros) falava-lhes das boas práticas associadas à técnica e fiz a demonstração da flebotomia ao ápex da orelha.

O resultado desta "simples" ação foi, adjetivado como "fantástico", "inesperado" e claro a queixa que a cobaia apresentava deixou de existir. Quando os questionei que explicação entregariam ao utente se ele lhes perguntasse o porquê daquele resultado...confesso que não fiquei nada agradada, daí ter tirado um tempinho para redigir umas linhas. 

Todos nós enchemos o peito para nos apelidarmos de profissionais de saúde, mas acho que falta muita base, empenho e estudo para entregarmos a César o que é de César, calma...não estou a falar em entregar a acupuntura a outras profissões (isso já está a ser feito por outras vias, facto que muito me entristece) estou a falar em entregar explicações com algum raciocínio clínico, assente em anatomia, fisiologia...os síndromes energéticos foram ótimos, ajudaram a sistematizar, mas vamos continuar a caminhar sim? eu não devo dizer que se a agulha doeu muito a inserir é porque o ponto estava muito afetado....ou se a agulha caiu é porque já fez o seu trabalho...por favor não...cada vez que fazem isso , morre uma fada!


Como ou porque  funciona a Flebotomia? Haverá muitas explicações de como ou porque funciona a flebotomia em Medicina Convencional no entanto, eu gosto particularmente da explicação entregue por um paciente/amigo, professor de Anatomia, que também experimentou em primeira mão o alívio trazido pela flebotomia (doravante chamarei de sangria, termo mais vulgar no nosso meio).


Nós temos dois sistemas circulatórios venosos, o profundo e o superficial. O sistema circulatório venosos superficial será, por exemplo, o que conseguimos observar nos braços e pernas. Os vasos profundos residem abaixo da fáscia, que lhes permite funcionar a altas pressões e lidar com o aporte de grandes volumes sanguíneos, 90% do volume é devolvido ao coração via circulação venosa profunda, os restantes 10% é devolvida via circulação venosa superficial. Ambos sistemas, comunicam via veias perfurantes que atravessam a fáscia.

A eficácia do fluxo sanguíneo nas veias profundas depende da relação pressão venosa versus pressão do tecido. A pressão venosa é a pressão que bombeia o sangue através das veias até ao coração. A pressão do tecido, falamos da pressão do tecido vizinho às veias, que as envolvem.

Então, se ou quando há uma lesão ou inflamação, o edema dos tecidos vai fazer aumentar a pressão exercida sobre o sistema venoso profundo, dificultando/impedindo o fluxo de volta ao coração. As veias perfurantes oferecem uma via alternativa para a circulação. Se o sangue estiver com dificuldade em fluir no sistema venoso profundo numa região particular do organismo, o sangue pode circular através das veias perfurantes para o sistema venoso superficial para retornar ao coração.

A MTC reconhece este fenómeno onde, um aumento de pressão tecidular em articulações, músculos ou órgão consegue impedir/dificultar o fluxo de sangue venoso, chamaram-lhe outra coisa? claro que sim...chamaram-lhe vasos luo, que só ficam visíveis aquando acometimento de Patologia. Claro está que há alguma discussão relativamente à pertinência de se ter usado para os Clássicos, textos que se podem quase confundir com texto poético...ciente dos constrangimentos que isso trouxe ao longo dos tempos (ou não) continuo a achar sábia está forma de blindar conhecimento.. Algo que hoje caiu em desuso, uma vez que este (conhecimento) tem sido vendido a retalho.. Perdoem-me este pequeno à parte... Avançando:

Ao executar a sangria (flebotomia) em certos pontos/áreas libertando uma determinada veia superficial ( as mais finas e escuras que se encontram), podemos libertar congestão do músculo, nervo, artéria ou órgão através das veias perfurantes. Esta retirada consegue aliviar dor em segundos e dar início ao processo de regeneração.

Quero deixar aqui uma ressalva, em MTC realizar sangrias (flebotomias) em veias de grande calibre não traz beneficio terapêutico algum, são altamente desaconselhadas.

Vou só abrir aqui um pequeno parêntesis, há efetivamente 3 áreas major para efetuar sangria (flebotomia), ápex da orelha (sangria capilar), costas (sangria capilar, com algumas exceções) e pernas (sangria venosa), também se pode realizar sangria venosa nos braços mas é menos frequente. Mas o que vos queria falar era das áreas/pontos que analisamos para procurar telangiectasias elegíveis para sangria (flebotomia), os pacientes vêm com queixas nos joelhos, queixas respiratórias, dor de estômago, dor ciática, dor lombar  e veem-nos a analisar costas e pernas região anterior e posterior, o paciente num primeiro momento fica meio intrigado com estas movimentações, mas apaziguado perante as questões assertivas realizadas perante alguns achados clínicos, ou então apaziguado pelos resultados obtidos depois da intervenção (sangria). 

Todos os colegas conhecem as áreas reflexas que o Tung descobriu, passiveis de serem analisados para pesquisa de 
telangiectasias para tratamento de afeções distais, além desta explicação dos dois sistemas venosos e da comunicação pelas veias perfurantes, há ainda o estudo das cadeias musculares cujo trajeto funcional ajuda a trazer luz sobre a ação destas áreas/pontos distais, mas isso meus caros será conversa para outra tertúlia. 




Até breve






Comentários

  1. Excelente como sempre 🥰 parabéns 👏🏼👏🏼👏🏼

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  2. Sempre a perspectivar o mundo da medicina chinesa, a partir da sua essência... Muito grato pela sempre partilha do seu conhecimento!!!!

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